segunda-feira, 28 de maio de 2012

"E quando Larbaud, por pura cortesia, se interessou pelo enredo do romance, recebeu esta resposta de Littbarski: «É a história de Hermann, um homem que desbarata a vida a odiar, de uma maneira gratuita, uma pessoa cujo único delito, se é que houve, consistiu em esvaziar, quando criança, uma garrafa de champanhe. Hermann entrega-se de corpo e alma à tarefa de amargurar a vida do inimigo, chegando mesmo a permanecer solteiro para assim não perder um único minuto do seu tempo em nada que não seja a perseguição implacável do esbanjador de champanhe francês. De vez em quando, Hermann efectua certeiros disparos sobre a vida do outro, quer dizer, felizes intromissões no universo do seu inimigo (rouba-lhe a mulher, denuncia os seus negócios, esquarteja-lhe a mãe, mata o cão, queima-lhe a casa, etc), breves mas certeiras rajadas disparadas pelo solteiro em lugares onde o pobre homem odiado não o pode ver: um pobre homem odiado que atravessa o romance da sua vida perplexo e assustado ao constatar que nem sequer o peso dos anos atenua o ódio à sua pessoa por parte de alguém que desconhece e de quem apenas sabe que, manobrando fora da sua vista e do seu alcance, se dedica, com especial obstinação e notável êxito, a amargurar-lhe a vida.»"

Enrique Vila-Matas, "História Abreviada da Literatura Portátil"

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