segunda-feira, 24 de outubro de 2011

"Um dia, entre o bosque e a selva de trepadeiras no extremo da lixeira, deparou com dois vultos fornicando no chão. Escondeu-se atrás de uma árvore a espiá-los até que reconheceu uma das filhas. Tentou aproximar-se furtivamente mas o rapaz estava alerta, deu um salto e partiu em corrida pela mata fora levando as calças enquanto fugia. O velhote começou a bater na rapariga com o pau que levava. Ela agarrou-o. Ele perdeu o equilíbrio. Estatelaram-se os dois juntos nas folhas. Um cheiro quente a peixe exalando de entre as pernas da moça. As cuecas cor de pêssego dela penduradas num arbusto. O ar em volta dele tornou-se eléctrico. Quando deu por si tinha as jardineiras pelos joelhos e estava a montá-la. Papá pára, disse ela. Papá. Oooh.
O tipo veio-se dentro de ti?
Não.
Puxou o membro para fora e agarrou-o e esguichou a esporra na coxa dela. Diabos te levem, disse. Levantou-se, puxou as jardineiras para cima e caminhou pesadamente como um urso na direcção da lixeira."

Cormac McCarthy, "Filho de Deus"

domingo, 23 de outubro de 2011

"Então, lembrei-me subitamente de Ylajali. Como pudera esquecer-me dela completamente durante todo o serão? E uma luz ténue voltou a entrar na minha mente, um pequeno raio de sol, que me aquecia tão docemente. E o sol persistiu, uma bela luz suave e acetinada que me acariciava de um modo agradavelmente anestesiante. E o sol tornou-se simplesmente mais forte, ardia-me penetrante nas têmporas, pesado e incandescente, cozia o meu cérebro macilento. E por fim, flamejou diante dos meus olhos uma desatinada fogueira de raios, incendiando céu e terra, pessoas e animais de fogo, montanhas de fogo, demónios de fogo, um precipício, um deserto, todo um mundo em chamas, um fumegante dia derradeiro.
E não ouvi nem vi mais nada..."

Knut Hamsun, "Fome"

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"Se escrever fosse palavras, escrever seria fácil. Escrever é coisa que acontece apesar das palavras. Não há outro processo de acontecer escrever senão com palavras, mas ao mesmo tempo acontece que se escreve apesar delas. O que leva uma pessoa a escrever é a história que as próprias palavras não dizem mas sugerem. É uma coisa assim parecida."

William Saroyan, "Rapazes e Raparigas"