quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Para aqueles que se apropriam da aparência de um comportamento «normal», porque não conseguem suportar a tensão das contradições entre a realidade que nos é imposta e o mundo interior, para gente assim, muito rapidamente deixa de haver sentimentos verdadeiros. Em vez disso, operam com conceitos de sentimentos, sem terem com eles ainda alguma experiência. Apresentam sentimentos fingidos como sendo seus e renunciam aos seus sentimentos verdadeiros. Quanto mais «saudável» a imagem da identidade que assumiram, tanto maior será o sucesso dessa manipulação. E é de manipulação que se trata, já que a sua intenção não é exprimirem-se, mas a de convencer o parceiro de que agem, pensam e sentem de uma forma adequada. São estas as pessoas que quero apresentar como as realmente loucas entre nós."

Arno Gruen, "A loucura da normalidade"

segunda-feira, 25 de julho de 2011

"O esforço por sermos aceites pelo que é esperado sermos e fazermos torna-se um mecanismo para iludirmos a ansiedade interior. À medida que o sermos aprovados se torna o sentido da nossa existência, renunciamos à possibilidade de sermos amados pelo que somos realmente. O próprio desejo de sermos amados desta maneira dá azo ao desprezo de nós próprios, porque sermos amados pela nossa sensibilidade significaria vermo-nos designados fracos. Em tais circunstâncias, e como já referi repetidamente, uma criança aprende que o amor apenas pode ser obtido em troca de manobras de obediência. Mas, se fizer as pazes com tal situação, odiará em secreto também os pais. Para poder viver consigo e com a sua necessidade de amor, terá de odiar-se tal como tudo que lhe recorde o amor sincero. Deve ser essa a causa mais profunda da crueldade."

Arno Gruen, "A traição do eu"

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Racionalidade é o que demonstra um leão quando mata um veado para se alimentar, a si e à sua família. Trata dos seus interesses e da sua preservação. Um homem que se lança para dentro de um prédio em chamas para salvar desconhecidos, incluindo animais, se os houver, não age racionalmente. Observo mais razão do que sentimentos na acção de um gato. O social é incompatível com o racional, e a sociabilidade dos homens tem aumentado pelo menos tanto quanto o buraco do ozono. Os seres humanos são dependentes uns dos outros. Cada vez mais dependentes."


Inês Pedrosa, "Os Íntimos"

terça-feira, 12 de julho de 2011

"A tese das almas gémeas é uma fraude, mas é verdade que há uma pequena percentagem de corpos incompatíveis, uma alta percentagem de corpos compatíveis e uma minoria de corpos feitos um para o outro. Quando se tem a sorte de encontrar esse corpo que se funde no nosso como o mar com o horizonte num dia de Verão, isso é a felicidade. Nem o amor nem o sexo servem para definir essa fusão. Trata-se de um fenómeno mais simples e mais complexo, assustador pela sua grandeza. Há quem fuja deste encontro como da peste; se eu me tivesse deitado com Margarida aos vinte anos, teria certamente fugido dela com todas as minhas forças. Nessa época não só não acreditava no amor, como fazia da Liberdade uma espécie de deusa exigente erguida sobre um pedestal altíssimo. Livre sou-o agora, pela primeira vez, quando entro no corpo da Margarida, quando me inebrio com o cheiro e o toque da sua pele e deixo de saber quem sou."


Inês Pedrosa, "Os Íntimos"