«Chegara o momento de arrancar o homem ao aconchego do medo, de lhe dar a provar o gosto da incerteza. A bebida inebriante dos nómadas. A transparência e o absoluto não são lugares para o homem. Era preciso dar-lhe o toque para que se lançasse na grande viagem a que todos aspiravam. O grande êxodo da liberdade e consciência. Eu sempre soube que a razão não serve para ver. Esse, o equívoco da nossa aliança que transformou a liberdade de consciência em conquista, que fez de cada ponto de apoio no território uma fronteira; cada fronteira a delimitar espaços de exploração; cada diferença que encontrava, uma exclusão. E o mundo tornou-se como a razão o escreveu: veloz, exponencial, crítico, memória acumulada de despossessão. [...] A liberdade de consciência é uma fonte inesgotável de angústia e de vontade de rapina. Porque as crenças, quase todas elas, participaram na rapina, à conquista de mais almas, num ódio profundo à liberdade de consciência que, tê-la, é a única maneira de escolher. A crença não vai desistir de usar o medo e o gregarismo, nem a razão vai deixar de jogar a cartada do seu peso político-industrial. E eu pergunto a mim mesmo [a partir daqui é o próprio Texto, a Obra, que fala] - para que serve a liberdade de consciência sem o dom poético? [...] Eu actuo, e não sou prático... Cresço com actos, e sem estratégia. Porque esta é como a crença - enreda a pujança, e definha o homem. Em mim, tudo cresce e nada é meio de nada.» (Llansol: 1994)."
João Barrento, O MUNDO ESTÁ CHEIO DE DEUSES - crise e crítica do contemporâneo