quarta-feira, 15 de julho de 2015

"Um sonho rico e fecundo, visto através de uma luz mística. Eu tinha mergulhado até aquele nível perigoso onde, por puro êxtase e encanto, volta-se ao fungo primário. Eu sabia, embora de maneira nebulosa, sonolenta e estonteante, que devia fazer um esforço hercúleo para retornar à tona. A luta era tremenda, agonizante, formidável. De vez em quando eu conseguia abrir os olhos: e via o meu quarto como que através de um nevoeiro, mas sentia que o meu corpo continuava mergulhado nas profundidades marítimas. Tornar a desmaiar era uma sensação voluptuosa. Eu caía sem parar, sem alcançar o fundo que não tinha fundo e onde, eu mesmo, estava esperando por mim como um tubarão esfomeado. Depois, muito lentamente, recomeçava a subir, a voltar à tona. Era um verdadeiro martírio. Era de cortiça, mas não podia nadar. Quase ao chegar à tona, mergulhava outra vez, arrastado para baixo, cada vez mais para baixo, num desamparo delicioso, sugado por um redemoinho, para ficar aguardando, lá bem no fundo, pela passagem de um tempo quase sem fim - a fim de que a vontade criasse novas forças capazes de me devolverem à tona como se eu fosse uma bóia afundada."

Henry Miller, dias de clichy