sábado, 14 de abril de 2012

"Desejosos de brilhar diante do boss silencioso, aqueles senhores deleitavam-se e improvisaram com vivacidade, evocando na estranha linguagem do Secretariado «as situações a explorar», «a aprovação geral a procurar sobre a partilha das responsabilidades tanto organizacionais como operacionais», «os diversos modos de abordar o problema», «as realizações das instituições especializadas», «as facilidades a obter dos governos apelando ao seu espírito cooperativo», «as experiências passadas que apoiam largamente a urgente necessidade de uma acção concreta», «as evidências a fornecer sobre a utilidade do programa encarado», «as dificuldades praticamente inexistentes», «os encorajantes discursos recentemente apresentados no conselho». E assim por diante, tudo entremeado de propostas confusas e contraditórias, conscienciosamente anotadas pela estenógrafa que não compreendia nada porque era inteligente."

Albert Cohen, "Bela do Senhor"

domingo, 8 de abril de 2012

"Logo no dia seguinte mandei o meu manuscrito a Atlas. Posso ser singularmente rápido em certas circunstâncias. Depois esperei. Passo a minha vida à espera dos outros. Tudo o que pedem neste mundo, executo-o o mais depressa possível, segundo creio, e muito conscienciosamente; concluo um texto de acordo com o deliberado e prometido, mesmo que tenha de passar noites em branco. Mas estou sempre à espera dos outros. Já aos quinze anos, ainda fedelho, era sempre o primeiro a chegar ao cemitério, o ponto de reunião para as nossas rapinas, e esperava pelo resto do bando. Os outros só servem para me refrear na vida, bloquear a minha energia, matar-me, enfim. Uma visão que, como podem ver, coincide com o olhar de Gatsby sobre outrem; o amo e o servidor têm o mesmo temperamento de uma cana que a gente ao redor faz tudo para refrear. É bem certo que Gatsby se sai mais airosamente que eu. Voa de Concorde ou no seu avião privado. Tem a ilusão da velocidade, do movimento e da energia. Eu cá, permaneço nesta insensata espera. Os meses passam, seguem-se os anos, e beber este insípido xarope quotidiano, sobreviver a esta triste rotina, em tal consiste o heroísmo. Muito mais difícil do que fazer uma surtida debaixo das balas, o género de proeza que, se me dão licença que contradiga a opinião corrente, não exige senão um efémero esforço de vontade. Tenho a certeza de que poderia conservar as mãos nos bolsos e o charuto no bico, e o sorriso nos lábios, frente ao pelotão de execução. Estou pronto! Mas este ramerrão de merda mata-me, às vezes sinto que não falta muito para estourar, fazer disparates."

"O que é interessante nos trabalhos físicos é que eles permitem que nos abandonemos ao curso dos nossos pensamentos."

Edward Limonov, "história de um poeta mordomo"