domingo, 26 de fevereiro de 2012

"À despedida, o progenitor não verteu lágrimas, abriu mão de cinquenta copeques em cobres para as despesas e guloseimas e, muito mais importante, de uns sábios preceitos: «Vê lá, Pavlucha, se estudas, se não fazes asneiras, se não és mandrião; sobretudo, usa de lisonja para com professores e superiores. Se agradares aos superiores, mesmo que não faças progressos nos estudos e mesmo que Deus te não tenha dado grandes talentos, andarás para a frente e ultrapassarás os outros todos. Não faças amizade com os colegas, eles não têm nada de bom para te ensinar; mesmo assim, caso faças alguma amizade, que seja com os mais ricos, para te ajudarem se for preciso. Não presenteies ninguém, faz antes com que os outros te presenteiem e, em primeiro lugar, poupa o teu copeque: é essa a coisa mais segura no mundo. O colega ou o amigo vão aldrabar-te e serão os primeiros a trair-te na desgraça, mas já o copeque te será sempre fiel em todos os contratempos. Valendo-te do copeque, tudo farás.»"
Nikolai Gógol, "Almas Mortas"

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

"Desde o primeiro sopro que assim é: a palavra é o tempo de vida dos humanos.
É evidente que nós, mulheres, homens, crianças ou velhos, somos palavras de carne, movimentos de carne, vidas e emoções de carne. E o tempo que passa nessas carnes foge e consome-as na sua dissipação. Reduz a mais sublime das matérias, a pele sedosa e a tez rósea, a esse nada de pó que um sopro infantil consegue dispersar.
O Verbo, porém, é imortal. Não sucumbiu a nenhum furor, nenhuma massa o destruiu; nenhuma fogueira, nem mesmo as mais dementes de séculos ricos em massacres, o consumiu. Surgiu com o espírito do ser humano, não com a sua carne. E nunca, nunca desde o primeiro dia, se calou.
Nada se cria fora do Verbo, tudo sucumbe na sua presença. São fracos os que o ignoram; são grandes os que sabem inclinar-se perante esse poder. Humanos, simples humanos, acreditamos que só a carne gera carne. Que cegueira, que ignorância! A respiração, os batimentos do coração repleto de sangue são igualmente fruto das palavras que o Eterno colocou na nossa boca."
Marek Halter, "O Cabalista de Praga"