segunda-feira, 12 de novembro de 2012

"Movemo-nos entre generalidades e símbolos, como num campo fechado onde a nossa força se mede utilmente com outras forças; e fascinados pela acção, atraídos por ela, para nosso bem, no terreno que ela escolheu, vivemos numa zona intermédia entre as coisas e nós próprios, exteriormente em relação às coisas, exteriormente em relação a nós próprios. Mas de tempos a tempos, por distracção, a natureza suscita almas mais desligadas da vida. Não falo desse desprendimento deliberado, pensado, sistemático, que é a obra de reflexão e da filosofia. Falo de um desprendimento natural, inato na estrutura do sentido ou da consciência, e que se manifesta sobretudo por uma maneira, de certo modo virginal, de ver, de ouvir ou de pensar. Se tal desprendimento fosse completo, se a alma já não aderisse à acção por nenhuma das suas percepções, seria a alma de um artista como nunca ainda o mundo viu. (...) A sinceridade é comunicativa. O que o artista viu, não voltaremos a vê-lo, sem dúvida, pelo menos completamente tal qual foi: mas se ele o viu deveras, o esforço que fez para afastar o véu impõe-se à nossa imitação. A sua obra é um exemplo que nos serve de lição. E a verdade da obra mede-se precisamente pela eficácia da lição. A verdade traz pois consigo uma força de convicção, de conversão até, que é a marca pela qual a reconhecemos. Quanto maior for a obra e mais profunda a verdade entrevista, mais o efeito se poderá fazer esperar, mas também mais tenderá, esse mesmo efeito a tornar-se universal. A universalidade encontra-se aqui no efeito produzido, e não na causa. O objectivo da comédia é completamente diferente. Nele a generalidade reside na própria obra. A comédia retrata caracteres que encontrámos já e que voltaremos a encontrar, no nosso caminho. Regista semelhanças. Visa mostrar-nos tipos. Se necessário, chegará mesmo a criar tipos novos. E por este aspecto distingue-se das outras artes."

Henri Bergson, O Riso

1 comentário:

  1. Acho que fala de meditação. O processo criativo e artístico é essencialmente meditacional... é um deixar de oferecer resistência, um permitir-se fluir como se fizéssemos parte das coisas. E de tudo o que existe. Conduz à verdade.

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