sábado, 9 de maio de 2015

"Mas claro que a existência de dor no outro é algo que provoca ambiguidade em quem o ama, pois "ao mesmo tempo que me identifico 'sinceramente' com a infelicidade do outro, o que leio nessa infelicidade é que ela existe sem mim e que, sendo infeliz por si próprio, o outro me abandona: se ele sofre sem que eu seja a causa, é porque não significo nada para ele: o seu sofrimento anula-me na medida em que existe fora de mim próprio."
Esta necessidade (egoísta) de responsabilidade exclusiva pela dor do outro - que mais ninguém seja responsável pela tua dor senão eu - coloca a par a unidade e a exclusividade na origem do sofrimento. Se mais ninguém existe senão tu, por onde mais poderei sofrer? Ou, sob outro ponto de vista: eu sou o proprietário da tua dor.
Como alguém que realmente leva no bolso a chave que abre o cofre das dores do outro, numa estranha mistura entre bondade e instinto perverso. Porque um cofre é uma caixa que se pode fechar ou abrir. E quem tem a chave decide.
No fundo, devemos recordar essa pergunta fundamental que surge em O Salteador de Robert Walser:
"As pessoas que vivem consigo são felizes?""

Gonçalo M. Tavares, Atlas do corpo e da imaginação

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