sábado, 2 de maio de 2015

"O homem encostado à parede, cansado de caminhar de um lado para o outro, livre (de movimentos) para resolver os problemas do dia-a-dia: o apetite, o frio, o desconforto, a solidão. E do outro lado os meios de resolução: o trabalho, o amor, a amizade - e esse homem que não pára, sempre de um lado para o outro, a uma certa velocidade; homem do movimento porque é livre, homem esse que, finalmente, num certo momento, se cansa de não parar, e exige a si próprio - e talvez ao mundo - a imobilidade; e com ela exige ainda algo mais obsceno: não quero mais ser livre, podem ficar com os meus movimentos, com as minhas possibilidades, deixem-me apenas uma, uma única possibilidade: a de permanecer vivo: todos os outros movimentos façam-nos por mim. Homem (imaginemos) cansado dos movimentos que o trabalho exige, dos movimentos que o amor e a amizade exigem e que, a certa altura, pede apenas a satisfação do apetite e a manutenção do circuito respiratório: não quero mais, quero o mesmo; não quero mudar.
Porém, há uma velocidade não-humana, uma velocidade que pertence exclusivamente ao reino da Natureza e cujo motor estará localizado num sítio ao qual as mãos humanas jamais chegarão; e essa velocidade, esse movimento que atravessa o mundo e domina a biologia, jamais cessa."

Gonçalo M. Tavares, Atlas do corpo e da imaginação

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