terça-feira, 10 de janeiro de 2017

"- Vê se me dás mais atenção! - pediu Agathe. - Sou uma mulher activa, com alguma actividade nos negócios ou na vida intelectual? Não. Sou uma mulher apaixonada? Também não. Sou uma companheira e mãe dedicada e equilibrada, que facilita as coisas e constrói um ninho? Ainda menos. O que me resta então? Para que sirvo eu neste mundo? A sociedade que frequentamos, confesso-te francamente, é-me absolutamente indiferente. E quase acredito que podia bem passar sem toda essa música, literatura e arte que deleita os círculos cultos. Já não posso dizer o mesmo de Hagauer: ele precisa de tudo isso para as suas citações e referências. Pelo menos tem sempre ao seu dispor o lado agradável e ordenado de uma colecção. Não terá ele razão quando me acusa de nada produzir e de recusar a «riqueza humana e moral», e me dá a entender que só ele, o professor Hagauer, é capaz de me compreender e perdoar?
Ulrich devolveu-lhe a carta e respondeu calmamente:
- Encaremos o problema de frente: indo directo ao assunto, tu és de facto socialmente imbecil!"

Robert Musil, O homem sem qualidades II, p. 351

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