domingo, 11 de março de 2012

" Senti a sua testa deslizar pelo meu ombro num sinal de denegação.
- Isaías ainda não nasceu, David. Basta-me vê-lo e ouvi-lo para saber que me é impossível amá-lo e muito menos deitar-me na sua cama.
Eu já não conseguia proferir uma palavra e mal conseguia respirar. As palavras de Eva abatiam-se sobre o meu coração como granizo. Tinha de me conter para não a abraçar, apertar contra mim e beijar-lhe os lábios, gritando que tinha razão. Que o seu pai e Jacob tinham pecado, que eu tinha pecado com eles e até, à minha maneira, mais do que eles.
Forcei-me, pelo contrário, a pensar no caos que se precipitava na nossa direcção como a pedra de uma fisga. Obriguei-me a mentir a mim próprio. A acreditar que não havia outra saída senão essa promessa.
Porém, Eva era feita de intransigência e de juventude. Nem uma parcela da sua alma se deixaria corromper pela mentira.
- Tudo o que não posso fazer com Isaías fá-lo-ia contigo, chorando de alegria, David. Tu sabes. Cheguei a sonhar que terias coragem para isso. Mas sei bem que não.
- Eva, não deves...
Tapou-me a boca com os dedos.
- Sei tudo o que podes dizer. Sei tudo o que pensas. E não te quero mal por isso. É assim. não te peço mais nada a não ser que não deixes de me amar. E quando eles se atirarem contra mim, deves continuar a amar-me.
Não tive tempo para protestar. Os seus lábios substituíram os seus dedos. Um beijo que, num abrir e fechar de olhos, me fez acreditar que o universo era ainda mais vasto do que concluira aquando das minhas viagens.
Depois Eva desapareceu na noite. As rãs deixaram bruscamente de cantar. Tantos séculos depois, ainda ouço cada um dos seus passos. Durante um momento, foi estranho. Parecia que ela ia desaparecer por entre o brilho das estrelas e que eu devia correr atrás dela."

Marek Halter, "O Cabalista de Praga"

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