domingo, 17 de junho de 2012

"Enquanto caminhava, em direcção a casa, e meditando, a minha vaidade levou a melhor sobre a minha piedade. Não podia senão orgulhar-me da mestria com que me tinha desembaraçado de Bartleby. Magistralmente, como eu dizia, e assim o veria qualquer pensador desapaixonado. A beleza do meu modo de agir parecia consistir na sua perfeita tranquilidade. Não houvera qualquer vulgar disputa, nem bravatas, nem explosões de cólera, ou passadas largas de cá para lá no escritório, nem ordens violentamente proferidas com veemência, a fim de que Bartleby se pusesse lá fora, fazendo rapidamente uma trouxa com os seus miseráveis trapos. Nada disso. Sem me pôr a gritar para que Bartleby partisse - como alguém de carácter inferior poderia ter feito -, eu presumi que ele deveria partir; e baseado nessa suposição construí tudo o que eu tinha a dizer. Quanto mais pensava no meu procedimento, mais ele me encantava. No entanto, na manhã seguinte, ao acordar, tinha as minhas dúvidas - tinha de certo modo desvanecido pelo sono os fumos da vaidade. Uma das mais serenas e sábias horas que um homem tem é logo após acordar pela manhã. O meu procedimento parecia-me tão sagaz como anteriormente, mas somente em teoria. Como é que ele se mostraria na prática, aí é que estava o busílis. Era verdadeiramente um belo pensamento ter presumido a partida de Bartleby; mas, no fim de contas, essa suposição era somente minha, e não de Bartleby."

Herman Melville, "Bartleby"

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