(...) todas as noites trago, na minha pasta, livros para casa, e o meu apartamento, num segundo andar em Holesovice, está repleto de livros, livros apenas: a cave está cheia e o alpendre já não chega, a cozinha, a despensa e a retrete estão cheias, apenas o caminho para a janela e para o fogão estão livres, na retrete há apenas o espaço para me poder sentar; por cima da sanita, à altura de um metro e meio já há traves e pranchas e em cima delas, até ao tecto, erguem-se os livros, quinhentos quilos de livros; chega um único movimento desajeitado ao sentar-me, um levantar imprudente, para tocar na trave mestra, e meia-tonelada de livros se precipitará sobre mim e me esmagará com as calças descidas. Mas como aqui já não se consegue acrescentar nem um só livro, assim, no quarto, em cima de duas camas juntas, mandei pôr traves e pranchas em forma de um baldaquim, de um dossel de cama, sobre as quais estão arrumados livros até ao tecto; trouxe duas toneladas de livros para casa durante trinta e cinco anos, e, quando estou a adormecer, duas toneladas de livros como uma falena de dois mil quilos pesam sobre os meus sonhos. Às vezes, quando me viro inadvertidamente ou grito e me agito ao dormir, ouço, horrorizado, como os livros escorregam; chega apenas um leve toque de joelho, talvez apenas um grito e como uma avalanche tudo se precipitará sobre mim, uma cornucópia cheia de livros preciosos cairá dos céus sobre mim e esmagar-me-á como um piolho."
Bohumil Hrabal, "Uma solidão demasiado ruidosa"
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