"Às vezes penso: este povo é bem intencionado, mas ignorante; procederia melhor se soubesse como proceder; porque hei-de eu sujeitar os meus vizinhos ao incómodo de me tratarem diferentemente do que é sua intenção? Mas depois penso: não há motivos para eu proceder como eles procedem ou para consentir que outros sofram tormentos maiores, se bem que de outra espécie. E digo também muitas vezes de mim para mim: quando muitos milhões de homens, sem violência, sem má vontade, sem qualquer proveito pessoal, te pedem uns escassos xelins, sem qualquer possibilidade, nas actuais circunstâncias, de alterarem tal exigência, e sem tu, por teu lado, teres qualquer possibilidade de apelar para outros milhões de homens, de que te serve expores-te à rudeza duma força tão inelutável? Ao frio, à fome, aos ventos e às ondas, nunca opões uma obstinação tão grande; nunca opões resistência a toda uma série de necessidades similares. Não colocas a cabeça em cima de uma fogueira... É que, na medida em que não considero essa força completamente bruta, mas sim parcialmente humana, e porque considero que estou relacionado com esses milhões como estou com muitos outros milhões de homens e não com seres brutos ou inanimados, acredito que lhes resta a possibilidade de requererem o auxílio, primeiramente, com a maior urgência, do Criador, e em segundo lugar, o auxílio dos outros. No caso de eu colocar deliberadamente a cabeça no fogo, não se justifica que depois me queixe do fogo ou de quem o criou; deverei, sim, queixar-me de mim próprio. Se eu estivesse convencido de que tenho o direito de estar satisfeito com os homens, tais como eles são, e de com eles lidar de acordo com esse facto e não de acordo com as minhas exigência ou com a ideia que faço do que eles e eu devemos ser, seria, como os bons muçulmanos e os fatalistas, obrigado a contentar-me com as coisas, tal como elas são, dizendo que Deus assim o quer. E, além do mais, entre resistir a esta e a outra força natural inteiramente bruta, há uma importante diferença: a esta, posso efectivamente opor resistência. Pelo contrário, não me é possível, como a Orfeu, mudar a natureza das pedras, das árvores e dos animais.
Não é meu desejo travar combate com qualquer homem ou nação. Não desejo fazer distinções miudinhas, usar de grande rigor, colocar-me na posição de superior ao meu vizinho. Posso até dizer que faço esforços para me conformar com as leis desta terra."
Henry David Thoreau, "A Desobediência Civil"
INteressante!
ResponderEliminarUma desobediência relativamente conformada... ou não...
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