domingo, 25 de novembro de 2012

"Aquela satisfação, aquele espanto, que se opunham, opunham-se completamente, ao aborrecimento, muitas vezes apenas são experimentados depois das pessoas envolvidas terem passado por situações em que tiveram medo e sofreram perdas. No entanto, quanto a mim, depois de se ter contacto com estas sensações, dificilmente elas serão esquecidas; são como relâmpagos e jorros de uma luz paradisíaca a incidir sobre locais e momentos únicos.
Os aldeões reconstruiram a aldeia, e os objectos que tinham sido salvos, na casa que se tinha salvo, ficaram entre novas casas em cujos jardins novas flores e vegetais germinaram, e novos espécimes foram plantados. O povo começou a contar histórias sobre a vinda dos vermes, montanha abaixo, e também essas histórias eram o oposto do aborrecimento. Tornaram interessantes, excitantes, quase belos, a cinza e o fedor, o esmagar e engolir. As lendas falavam de algumas coisas mas calavam outras. Jack contava a bravura impetuosa de Harry, correndo em direcção ao mar de fumo para salvar o seu porco, mas ninguém falava da tristeza diária provocada pela esperança no seu regresso, que diminuia lentamente. Enalteceu-se o facto de o porco ter tido muita destreza e ter-se conseguido recompor mas não se falou dos maus bocados por que ele teve de passar, naqueles dias tão duros. E estas lendas, construídas a partir do contentamento daquelas pessoas perante a sua própria sobrevivência tornaram-se, com o tempo para os seus filhos e netos, armas contra o aborrecimento e a monotonia estabelecendo uma ligação misteriosa entre a paz, a beleza e o terror."

A. S. Byatt, O caixão de vidro

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