terça-feira, 21 de abril de 2015

"Enquanto na realidade exterior os referenciais são comuns, físicos, partilháveis, não egoístas, em relação à realidade interior, aos sentimentos, às sensações, os referenciais são sempre absolutamente centrados no Eu. É a partir de mim, das minhas sensações, que eu posso perceber as sensações dos outros, enquanto, por exemplo, na medição de um terreno, é a partir de uma certa convenção instrumental e processual que eu percebo as distâncias e os tamanhos. Para medir o exterior há réguas públicas, colectivas; para medir o interior há apenas réguas privadas, diferentes entre si, impartilháveis.
O facto de duas pessoas conversarem sobre o que sentem é quase um milagre, e entra num campo completamente diferente (num campo quase misterioso) daquele que existe, com muito maior objectividade, na conversa acerca de acontecimentos do mundo - fora de cada corpo, portanto.
Pergunta, então, Wittgenstein, pegando no exemplo de uma pessoa com dores:
"Não teríamos seguramente pena dela se não acreditássemos que ela tinha dores; mas será que esta é uma crença filosófica, metafísica? Terá um realista mais pena de mim do que um idealista ou um solipsista?"
Eis uma pergunta que coloca tudo em jogo. Eu tenho de confiar no que o outro diz que sente. Estamos no campo da crença individual, e a crença individual isola, inevitavelmente, um indivíduo de outro."

Gonçalo M. Tavares, Atlas do corpo e da imaginação

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