terça-feira, 20 de março de 2012

"Acordo, mas não abro logo os olhos, a demorar a surpresa, o encanto, a dizer-me que não é miragem, é verdade, é dela o corpo encostado ao meu. Macio, jovem, firme.
Corro os dedos pela seda do seu cabelo e devagarinho, procurando, desenho-lhe com eles a fronte, as sobrancelhas, a face, toco-lhe o pescoço, faço-os parar na curva do ombro. Espalmo-os no começo do seio, sentindo-lhe o pulsar.
Relembro a noite e tão intensa é a minha felicidade que, a saboreá-la e para melhor me encher dela, primeiro finjo que não acredito, digo-me que foi sonho.
Espreito. Continua a dormir. Não resisto à tentação do vício antigo e, guloso da sua beleza, levanto a roupa, fico-me a admirá-la num arroubo que soma os desejos da vida inteira. Mas cubro-a ao ver que treme num arrepio e passo o braço sob o seu pescoço, dou-lhe o meu calor.
Com uma ternura que nunca antes conheci beijo-lhe ao de leve os cabelos e a fronte, a face. Saciado de corpo e alma, afagado pela memória da noite, prendo a sua mão na minha e volto a adormecer."

J. Rentes de Carvalho, "A Amante Holandesa"

Sem comentários:

Enviar um comentário