segunda-feira, 19 de março de 2012

"Toda a gente saberia o que se passara comigo, como é óbvio. A doutora Nolan dissera-me, sem quaisquer cerimónias, que algumas pessoas falariam comigo mantendo uma certa distância, ou evitar-me-iam, como se eu fosse uma leprosa com o seu sino. O rosto da minha mãe vinha-me à ideia flutuando como uma lua pálida e acusadora, durante a sua última visita à clínica após o aniversário dos meus vinte anos. Uma filha numa clínica para doentes mentais! O que eu lhe fizera! Apesar de tudo, ela decidira perdoar-me.
«Reiniciaremos tudo do ponto em que partiste, Esther», dissera, com um sorriso doce, de mártir. «Procederemos como se tudo tivesse sido apenas um sonho mau».
Um sonho mau.
Para a pessoa dentro da campânula, vazia e imóvel como um bebé morto, o próprio mundo não passa de um sonho mau.
Um sonho mau.
Lembrava-me de tudo.
Lembrava-me dos cadáveres, de Doreen, da história da figueira, do diamante de Marco, do marinheiro, da enfermeira de olhar austero, do doutor Gordon, dos termómetros partidos, do negro com os dois tipos de feijões, dos quilos que aumentara por causa da insulina, do rochedo pairando entre o céu e o mar como uma caveira cinzenta.
Talvez o esquecimento, como se fosse uma espécie de neve, viesse e os cobrisse.
Mas eles faziam parte de mim. Eram a minha paisagem."

Sylvia Plath, "A campânula de vidro"

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